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domingo, 28 de agosto de 2011

QUEM NÃO VEM PELO AMOR, VEM PELO AMOR




 Quem não vem pelo amor, vem pelo amor
  Por José Edilmar de Sousa

  Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca dos que ele me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia (Jo6: 37-39).
  Esse texto me embasa para a reflexão que há algum tempo venho fazendo, sobre as ações de Deus ao nos chamar ao seu convívio, à sua intimidade, a um relacionamento frutífero com Ele. 
     Não parece tão comum ouvirmos a expressão acima. À primeira vista, alguém que conhece bem os jargões evangélicos, dirá que há algo errado nela.
O certo seria como se ouve muito por aí: quem não vem pelo amor, vem pela dor. É incrível como tal afirmação é feita com tanta facilidade no meio evangélico! E não somente isto, acredita-se na sua veracidade supostamente baseada na Bíblia. Já ouvi professor de discipulado dizer: a Palavra do Senhor diz que quem não vem pelo amor, vem pela dor. Ao ouvir isto entendo porque Oséias disse que o povo de Deus sofre por falta de conhecimento (Os 4:6). E ainda o que poucos sabem é que tal expressão origina-se do meio pagão, mais precisamente através do maior divulgador da doutrina espírita, o senhor Alan Kardec. Precisamos refletir sobre isso de forma crítica e autônoma para não sermos ingenuamente levados a creditar em mentiras humanas como se fossem verdades divinas. Assim, sem arrogância de me achar melhor entendedor da Palavra, quero desfazer com base nela mesma, esse equívoco a cerca da forma como Deus nos chama ao relacionamento com Ele.
      Louvo a Deus por ter me ensinado a pensar diferente. No início de minha caminhada cristã eu acreditava que Deus realmente provocava dores na vida daqueles que seriam chamados para lhe servir. Haja vista que eu confessara o Senhor Jesus como meu Senhor, depois de um momento de grandes aflições em minha vida. Levando a vida de forma promíscua e completamente envolvido com o mundo, fui assaltado, levei muitas pancadas na cabeça e como resultado, três meses depois eu tive um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Depois de quase perder a vida, lembrei-me das palavras evangelizadoras de um amigo que, no meu passado pervertido, procurou me falar do amor de Deus. Decidi então entregar a minha vida a Cristo. Perfeito, meu testemunho se encaixava direitinho no ditado popular evangélico. Deus havia me chamado amorosamente. Como não atendi ao chamado, ele me provocou dores para que eu pudesse perceber o seu amor. Por algum tempo defendi essa tese, inclusive, usava-a como argumento para evangelização no Instituto Dr. José Frota (IJF), onde passei algum tempo evangelizando.
     De algum tempo para cá, o Senhor tem modificado minha forma de pensar. Podemos questionar: que maneira estranha de um Deus que se diz que é amor (1jo4: 16), usar de artifícios que maltratam, machucam aqueles a quem Ele diz que ama? Teria sido mesmo Deus quem me deixara quase à morte, com o lado esquerdo paralisado e sem poder andar? Parece contraditório acreditar que o Deus que é amor agisse dessa forma. Aliás, parece e é contraditório. Hoje não consigo mais crer que o Deus que revelou o seu amor em minha vida, seja capaz de tal iniciativa.
     E o que dizer dos diversos exemplos de pessoas que se achegaram para Deus em momentos de grandes adversidades (dores, o entregaram e foram transformadas?). Demorei a ter a resposta, mas hoje eu a tenho. Não foi Deus quem provocou as dores em suas vidas. Elas nos sobrevêm como decorrência de nossas escolhas, atitudes, decisões. O mundo está cheio disso. E se estamos nele, envolvidos com ele, dificilmente, estaremos livres dos males dele inerentes.
     Penso que Deus é tão misericordioso! Ele vive e nos chama amorosamente. E quando não o atendemos, não imagino que ele se enraiveça e tome providências, quaisquer que sejam, para que venhamos até Ele. Pensar desse modo seria imaginá-lo como um pai rancoroso que, depois de adular bastante o filho que não lhe obedece, resolvesse em seu íntimo: vou dá-lhe uma surra e quero ver se não muda de idéia. Ele vai vê o que é bom para tosse. Ou vem ou vai sofrer muito. Não vejo, não consigo ver Deus assim. Eu acredito que quando nos distanciamos dele e dizemos não à sua chamada amorosa, sofremos e sofremos muito. Contudo, este sofrimento não é Ele quem provoca, mas o simples fato de que fora de sua presença não há felicidade. Se vivermos em guerra, não é castigo dele. Pelo contrário nossa guerra resulta de estarmos distantes da paz, ou seja, dele mesmo. Não podíamos ter paz fora dele. Que contradição, o Príncipe da paz causar guerra! O castigo que nos traz a paz estava sobre ele (Is53: 5). O que mais me apaixona nesse Deus é saber que, independente de nossas escolhas, permanece nos amando. Mesmo quando escolhemos a morte, continua a nos oferecer a vida. Mesmo quando preferimos à vida mundana, pervertida, continua tentando nos mostrar que tem uma vida melhor para nós, uma vida abundante.
     Minha maior relutância quanto a essa mentira de que quem não vem pelo amor terá de vir pela dor, pauta-se nas graves conseqüências que tal visão pode causar. Aparentemente, trata-se apenas de um probleminha de linguagem. Entretanto, é mais sério do que se imagina. Quero aqui elencar algumas observações que tenho feito sobre isso:
As pessoas passam a servir a Deus por medo. É incrível como há pessoas que não faltam os cultos, participa de orações motivadas pelo medo de lhe ocorrerem algum mal. Não estou afirmando que é assim com todas as pessoas. Há muitas outras que vai à igreja pela sede de ouvir a palavra, adorar a Deus e exercitar comunhão com os irmãos. Mas quando as pessoas se dirigem à Igreja por medo é ruim, pois tais pessoas criam uma imagem de um Deus carrasco, justiceiro que impõe sua vontade a qualquer custo. Pior que isso, transmite medo. Já escutei um esposo que há vinte e cinco anos é crente e diz que a esposa (de coração duro), aceitará a Cristo no leito ou no vale da sombra da morte. Quero lembrar 1João4: 18: no amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento, logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor.
As pessoas deixam de contemplar o amor de Deus agindo em suas vidas. Lembro de outro caso: de uma jovem, que tendo entregado a vida a Cristo, se desviara algumas vezes do Caminho. Nesses intervalos, em intimidade com o mundo do pecado, teve sérios prejuízos, até que um dia, depois de lhe acontecer coisas horríveis, decidira de uma vez por todas, ficar em Cristo. Segundo ela mesma, a mão do Senhor pesara sobre ela, devido aos seus desvios, para que ela pudesse vir de vez para os caminhos do Senhor. Conhecendo mais de perto o seu testemunho, pude ver que não foi bem assim. Na verdade, Deus sempre lhe fizera o bem. Ela foi quem, envolvida com as farras do mundo, adquiriu alguns males. Mais interessante é que em meio a isso tudo foi que Deus a livrou da morte. Ela passou a servir a Deus verdadeiramente. Mas para mim está bem claro que Deus não lhe provocou males, ela os adquiriu. Mas Deus não desistiu de fazê-la feliz e muito menos de amá-la. Esse é o perigo de se enveredar por esse pensamento. Não contemplar o que Deus fez.
As pessoas deixam de ser responsáveis pelos seus atos. Vejamos o meu caso. Eu, desobedecendo à minha mãe, saí muito cedo por uma rua perigosa. O resultado de agir contrariamente às recomendações de minha genitora, foi encontrar com assaltantes que me deram pancadas que mais tarde me custariam quase a vida. E o pior, mesmo tendo sido espancado na cabeça, não liguei de ir ao médico. Antes, não perdi oportunidades de encher a cara de cachaça. E aí de quem foi a responsabilidade de quase pôr fim à minha vida? Seria de Deus ou do diabo? De nenhum dos dois. Eu decidira não obedecer, eu não quis ir ao médico. Logo, sou o responsável pelos meus atos. As pessoas estão sempre se eximindo de suas culpas de suas responsabilidades, negando as conseqüências de seus atos. Jesus falou certa vez de uma porta estreita e outra larga (Mt7: 13,14), e disse entrai. Deus falou através de Moisés do caminho da vida e do caminho da morte (Dt30: 15-20) e disse escolhei. Jesus falou: se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me (Lc9: 23). Portanto, nossas escolhas, nossos atos são as verdadeiras causas das boas ou más conseqüências em nossas vidas.
     Agora podemos ir ao texto bíblico e vê como Deus realmente nos ama. Sou apaixonado por esta frase de Jesus: e o que vem a mim de modo nenhum o lançarei fora. Podemos observar que ele refere-se aos que vêm a ele. Não diz que todos virão. Diferente da tese que diz que quem não vem pelo amor pela dor. Sendo assim, todos viriam a Jesus, ainda que através de dores. Ou seja, mesmo quem não quer um relacionamento com Deus, haverá de ter, pois ele o obrigará por meio de mecanismos forçosos.
     Sendo assim, entendo que o texto acima nada tem a ver com predileção de Deus por uns e outros não. Longe de mim acreditar que o Deus que é amor queira destinar as pessoas ao céu ou ao inferno por meio de ações semelhantes às de um comediante que manipula fantoches conforme lhe é mais conveniente. Pelo contrário, percebo nesse trecho a revelação de uma postura e um movimento de Deus acolhedores de TODOS aqueles que resolvem ir ou não ao seu encontro. Atentemos bem para o texto: E o que vem a mim.  Não estão aqui definido quantas quais pessoas virão. Essa frase apenas demonstra a disposição do AMOR (Deus) a receber os que decidem envolver-se com Ele através da descoberta gradativa da Sua beleza e amor infinitos.
Observemos a outra parte: de modo algum o lançarei fora.  Tal expressão desmancha a mentira de que Deus aceitará alguns para o seu aprisco e outros serão rejeitados por terem sido destinados ao inferno distante de Deus. Se fosse assim, qual o sentido de se lançar o convite (e é isto que se faz nas práticas evangelistas das igrejas), para que aceitem o sacrifício vicário de Cristo como salvação por suas vidas?
Aprendi a servir ao Senhor por conhecê-lo melhor e perceber seu cuidado e amor por mim como por todos. Quando peco, entristeço-me e não me amedronto ao pensar em castigos divinos. Envergonho-me de minha sujeira frente à santidade do Pai. Porém, corro aos seus braços como fez o filho pródigo, certo de que possa encontrar um movimento, uma festa, os braços abertos de Deus para me receber. O Seu amor me constrange não por medo, mas por não conseguir explicar como é grande o amor que doou o Filho por mim. E ao fazer essa descoberta livremente decido está com Ele, servi-lo, adorá-lo sem nenhum mecanismo de coerção, mas pela disposição que se origina da percepção do amor infinito. Por tudo o que foi exposto acima, posso afirmar contrariamente à expressão denunciada no presente texto, que os que vêm a Cristo vêm pela descoberta progressiva da maior de todas as verdades: OAMOR DE DEUS.

Fortaleza, 16 de julho de 2007.

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