Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados (Mateus 5:4).
O choro é uma das primeiras expressões da vida humana. Inicialmente tem uma função fisiológica que é a de encher os pulmões do novo ser para que aprenda a respirar. Daí em diante o choro passa a ter uma função comunicativa. É chorando que a criança comunica suas necessidades às pessoas a sua volta. O choro é sempre a expressão de uma emoção ou de uma necessidade. Ninguém chora por chorar. As pessoas choram por sentir algo, seja numa dimensão física, seja psicológica. Feitas essas considerações iniciais sobre o choro, gostaria de refletir um pouco sobre a afirmação de Jesus no sermão do monte: “bem-aventurados os que choram porque serão consolados”.
O choro normalmente lembra dor, sofrimento angústia, pois ainda que em alguns momentos possamos chorar de alegria sabemos que na maior parte das vezes as pessoas choram por ter perdido algo, pela morte, pela dor etc. Em síntese, o choro quase sempre tem a ver com momentos difíceis e dolorosos. O que nos ensinaria então o Mestre nos afirmando que os que choram são bem-aventurados?
Se bem-aventurados significa feliz, não pareceria um pouco contraditório o Mestre afirmar que são felizes os choram? Aparentemente, pode se imaginar aí uma contradição, porém precisamos avançar um pouco mais em nossa reflexão para tentar apreender a mensagem do Senhor Jesus. Talvez haja uma contradição não no ensino de Jesus, mas na própria dinâmica da vida terrena.
Quando escuto essa afirmação do sermão do monte, ela me leva a pensar sobre a vida humana no conjunto de suas contradições. Sim, porque embora desejemos uma realidade sempre harmônica e uma vida completamente perfeita e isenta de problemas e dores, nosso cotidiano atesta que pelo menos até aqui e nesse curto período em que vivemos na terra, isso é praticamente impossível.
A vida é realmente cheia de intempéries, ou seja, de situações adversas que fogem ao nosso controle e nos desestabiliza de um modo tal que fica difícil evitar que nossos olhos derramem lágrimas. A morte inesperada de um ente querido, por exemplo, demonstra um pouco disso e quem de nós consegue fugir de circunstâncias desse tipo? Até o Mestre viveu isso quando soube da morte de seu amigo Lázaro. “Jesus chorou (João 11:35). E quantos outros acontecimentos já não nos fizeram chorar? Bem dizia o autor do livro de Eclesiastes “há tempo para todas as coisas debaixo do céu. Sim, há tempos diversos e quem vive entre os seres humanos sabe disso. Acredito que o referido texto do Eclesiastes confirma isso. Vejamos:
1. Para tudo há uma ocasião, e um tempo para cada propósito debaixo do céu:
2. tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou,
3. tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir,
4. tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar,
5. tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter,
6. tempo de procurar e tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de lançar fora,
7. tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar,
8. tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz.
Então, há tempo para todas as coisas, inclusive para chorar. Não somos como anjinhos no céu, isentos de qualquer dor, angústia ou sofrimento. No entanto, há pessoas que negam essa realidade fantasiando um mundo em que elas deveriam ser intocáveis. Elas não podem e não deveriam sofrer ou porque são filhos e filhas de Deus ou porque sua “santidade” lhes preservaria das contigências da vida. Tais pessoas sofrem ainda mais quando são acometidas por algum fato não favorável. E aqui encontramos sentido para as palavras do Mestre “bem-aventurados os que choram”.
Bem-aventurados são aquelas pessoas que não escondem a sua fragilidade atrás de uma fortaleza falsa. São pessoas que em meio às dores e aos infortúnios choram, gritam, expressam de alguma forma a sua dor e uma vez manifesto o choro, quem está ao redor se solidariza. Pelo menos é o que se espera. Não é assim com a criança quando chora? Basta ela começar os prantos que seus pais se preocupam em encontrar meio para consolá-la. Está com fome? Está sentindo alguma dor? Medo de algo? Se não chorasse como saberíamos de suas necessidades? O choro da criança, como dito anteriormente, tem uma função comunicativa. O choro dos adultos, embora mais contido porque tem outras formas de se comunicar, também é uma expressão que omunica nosso estado físico ou de espírito.
Portanto, chorar implica em reconhecer nossas fragilidades, nossos medos, desilusões e tantas outras nuanças da nossa vida. À medida que as revelamos é que poderá vir o consolo, o apoio, o suporte, a ajuda. Se não fosse assim não diria o Salmo 50:15: “invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás”. De modo semelhante faz sentido o velho provérbio popular “quem não chora não mama”.
A bíblia está repleta de exemplos em que Deus fala ao povo que na hora da angústia o busquem. Que na hora da dor, da tristeza, o busquemos. Ele se revela disposto a nos consolar, a está conosco em nossos momentos difíceis.
E sabemos que muitas vezes nossos problemas não podem mais ser resolvidos como, por exemplo, ao se tratar da morte de alguém que amamos. Entretanto, o carinho, o abraço, a presença de alguém que nos acolha se torna indispensável e consoladora.
Isto só é possível quando e porque choramos, ou seja, quando abrimos o nosso coração e adimitimos que não temos controle sobre a vida, sobre a realidade e que ela deve ser vivida independente dos prós ou contras que lhe são próprios. Chorar faz parte da nossa vida desde nossos primeiros minutos de existência na terra e se ao longo aprendermos que podemos chorar e sorrir de acordo com cada tempo, então entenderemos porque o Mestre afirmou “bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”. O Consolo vem e não se faz indiferente. O Senhor Jesus se humaniza e sofre conosco nossas dores e celebra as nossas vitórias.
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