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sexta-feira, 15 de julho de 2011

A DISCRIÇÃO DA INTIMIDADE

A discrição da intimidade

Há alguns meses em meio à tensão da escrita de minha dissertação de mestrado tenho parado em alguns momentos para refletir sobre o ensino do monte. Tenho feito uma leitura calma, autônoma e sem pressa. Leio os mesmos versículos dias e dias repetidas vezes, porque tenho sempre a expectativa de que posso aprender algo que noutro momento me passou despercebido. Porque acredito que o esforço maior no desenvolvimento de uma espiritualidade sadia, ou seja, de uma relação salutar com Deus consiste em tentar perceber, prestar mais atenção, subir numa árvore se for preciso como foi o caso de Zaqueu, enfim, preciso envidar esforços para ver, ouvir, perceber, contemplar o Deus da vida, quer dizer, a fonte da vida. Não preciso apelar para que Deus me ouça ou me veja, Ele já fala comigo e me escuta antes que eu fale. Sou eu quem precisa me esmerilhar para ouvir ou perceber alguma expressão alentadora do Pai. Em razão desse desejo de perceber algo precioso (ensino, princípio, amor etc.) da parte dele é que minha leitura bíblica tem sido mais pacata, intencional, porém, despretensiosa e sem alarde. Nos últimos meses, então o sermão do monte tem me proporcionado alguns deleites com os ensinos de Jesus.
Há dias venho lendo o capítulo seis de Mateus e tenho me encantado com o que Jesus tem ensinado sobre oração, jejum e esmolas. Tenho aprendido que se o alvo de nossa espiritualidade é uma relação saudável com Deus, não é necessário nos preocuparmos com quanto tempo gastamos com oração, jejum ou esmolas e também não interessa tentar mostrar aos outros o que e quanto fazemos com e para Deus. Nossa relação com Deus não deve depender de nosso “currículo espiritual”. Afirmo assim, porque no mundo profissional preocupamo-nos bastante com o nosso currículo para aparecermos bem diante do mercado e conseguir uma boa ocupação. No mundo profissional essa lógica faz todo sentido, pois é assim que a realidade se impõe. No entanto, na relação com Deus essa lógica perde o sentido. Cai por terra qualquer tentativa de “driblar” Deus (ou as pessoas primeiro) para que sejamos abençoados e felizes. Essas três práticas de que Jesus fala no sermão do monte devem ser discretas.
A oração não precisa ser à vista de todos nem anunciada. No recôndito do meu quarto (do meu interior), posso conversar com Deus sem ter que dá satisfações aos outros se orei muito ou pouco, bonito ou feio, alto ou baixo. Pode ser na calada da noite, no sol do meio dia, em qualquer hora e em qualquer lugar e ninguém precisa ficar sabendo. Não é proibido alguém saber, mas também não é necessário.
O jejum não precisa transparecer para ninguém. Não é uma obrigação. Posso comer ou não comer quando julgar necessário sem a dúvida de ter (ou não) agradado a Deus. Ao que parece Deus está pouco ou nada preocupado com esses rituais. Uma relação de intimidade conosco interessa mais a Deus. Portanto, ao decidir jejuar, façamos isso de forma discreta, despreocupados com a publicidade. Como é gostosa a discrição da intimidade. No meio de uma multidão podemos falar secretamente com Deus. Podemos ouvi-lo e falar-lhe sem que ninguém perceba. Como assim? Alguém pode questionar. É que há um quarto, um lugar em que podemos ficar realmente a sós com Deus: no nosso íntimo (interior), ninguém jamais poderá bisbilhotar nossas conversas com Deus.
Do mesmo modo, ao dar esmolas não precisamos propagar se, o que ou o quanto damos. Isso não prova que somos bons, pois apesar de mostrar algumas boas obras, não revela nosso verdadeiro caráter. Pode ser que alguém esmolei visando a uma recompensa ou simplesmente para parecer que é uma pessoa boa. Esse “teatro” não cola com Deus. Ele sabe de nossas verdadeiras intenções e está interessado mesmo é que a motivação do ato de doar seja o amor, o desprover-se de interesses meramente particulares em favor dos outros. É isso o que Ele tem feito ao longo da história: se doado por nós. Jesus na cruz é o ápice da “loucura” do amor de Deus para conosco.
O que aprendo como essa insistência de Jesus em que não devo alardear minhas orações, meus jejuns e minhas esmolas? Creio que o propósito de Jesus é nos ensinar a discrição da intimidade com Deus. Discretamente podemos ter uma relação agradável com Deus sem medo, preocupação de que outros vejam ou não. Basta que nos esforcemos ou nos inclinemos um pouco e nos sensibilizemos para concluir que Deus é grande demais para se preocupar com os nossos pequenos ou grandes egoísmos. Deus é verdadeiro demais para alimentar nossas farsas de bons mocinhos ou boas mocinhas. A Sua verdade não se engana. Como diria o salmista (salmo 139) ele pode ir até o mais profundo da alma e ver o quanto somos verdadeiros ou hipócritas. Ele é sincero conosco e espera isso de nós. Daí não ser necessário se preocupar com o marketing de nossa imagem para com Deus ou com os irmãos. Podemos, devemos gozar da discrição da intimidade com uma pessoa que é perfeita, infinitamente amorosa e boa. Deus quer viver uma relação simples, porém, intensa, visível, porém, discreta com cada um/a de nós.

Um comentário:

  1. Gostei muito deste trecho: "Ao que parece Deus está pouco ou nada preocupado com esses rituais. Uma relação de intimidade conosco interessa mais a Deus."
    Nos últimos meses ao ter refletido um pouco sobre profetismo (a partir do livro "Deus onde estás" de Carlos Mesters) percebi que estes se comprometeram em denunciar quando os rituais se afastavam da realidade vivida pelo povo e se transformava em letra morta.
    Assim, sua reflexão me faz refletir a partir da Igreja Católica que é que participo, o quanto os ritos desta muitas vezes estão hermeticamente fechados em si mesmos, mais preocupados em seguir a risca aquilo que o Vaticano manda enquanto que nossa realidade próxima fica distante, fica parecendo que Deus está apenas na Igreja, ou melhor apenas na celebração dominical.
    Conheço alguns católicos que falam em levar Deus para as pessoas que estão distante da Igreja, aí fico pensando na estreita relação que essas pessoas fazem ao pensarem que Deus está presente principalmente naqueles que estão inseridos na Igreja, tratando Deus como monopólio da religião.
    Assim concordo com sua reflexão e acredito que Deus está para além das barreiras que criamos.

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